No momento, você está visualizando DJs: criadores de memórias e afetos na pista de dança
DJ e professor Val Clemente no baile do Zouk Lovers | Crédito: Léo Silva

DJs: criadores de memórias e afetos na pista de dança

Tempo de leitura: 7 minutos

Nos eventos, são eles os responsáveis pelo clima e pela motivação para dançar  

Escrito por: Mileni Francisco | novembro de 2023

Durante os bailes, cada música tocada ressoa nas pessoas de forma diferente. Ajustar o ritmo e a intensidade das melodias significa criar uma narrativa para a festa, garantindo diversão e motivação para dançar. A figura do Disc Jockey, ou DJ, é quem orquestra as emoções dos dançarinos e produz experiências sensoriais na pista. Sobre esses profissionais recai a responsabilidade do sucesso (ou não) de um evento. 

As atribuições de um DJ podem ser compreendidas por uma tríade de papéis: o técnico, o artístico e o sensitivo. Tecnicamente, a principal tarefa de um DJ é selecionar as músicas que serão tocadas. Esse compromisso envolve ter um bom repertório musical, conhecer um vasto número de canções; entender de estrutura e mixagem musical; e também saber usar os aplicativos necessários para a função. Já o papel artístico, se refere a fazer o trabalho bem feito, com uma seleção musical afinada com o tipo de evento, de forma a respeitar os momentos baixos, médios e altos de um baile, por exemplo, transitando entre diferentes velocidades, energias e estilos – buscando agradar o máximo de pessoas. DJs que dançam tendem a ser mais bem sucedidos, pois conhecem o que encaixa melhor em cada momento. 

Ainda na tríade, o papel sensitivo diz respeito ao sentimento que se quer imprimir nos dançarinos a cada momento. Rafael Fernandes, conhecido como DJ Raffro, 49 (RJ), costuma brincar que os DJs têm a predisposição de ser o mais atento possível, pois “você consegue olhar pra ver que tá acontecendo na pista, não pode ficar enfiado com a cara no computador, tem que estar vendo como é que tá a reação das pessoas”. Há uma grande diferença entre simplesmente dançar e dançar porque a música está prazerosa. Por essa razão cabe ao DJ observar a receptividade do público em relação às suas escolhas, pois se houver mais pessoas sentadas do que dançando, algo está errado. “Acho que o mais importante é o bom gosto musical para poder agradar o máximo de pessoas possível e fazer a pista estar sempre se movimentando. Isso para mim é o que diferencia o DJ de alguém que tá só tocando uma playlist”, acredita André Costa, DJ Dedz, 37 (RS). 

A maioria das aulas de dança ocupa-se em preparar os dançarinos para a pista e, por essa razão, os bailes se tornam tão importantes – o que implica em maior responsabilidade para os DJs. “Eu abraço mesmo essa responsabilidade, porque sei quanto é significativo estar lá, você pode dar um momento incrível para a pessoa ou pode destruir a noite dela”, comenta a DJ Paloma Alves, 36 (SP). 

O início da trajetória de DJs do Zouk Brasileiro é parecido, dançarinos gostavam das músicas que eles escolhiam e pediam para colocar algumas delas em treinos e bailes. Por consequência, acabaram se profissionalizando, escutando diferentes tipos de música como parte da rotina e também produzindo materiais próprios. Nem todo DJ é produtor musical, mas a maioria dos produtores musicais também atuam como DJ. Enquanto os produtores são especializados na música e criam peças musicais completamente autorais, os DJs editam músicas já existentes, dando vida aos remixes. 

Juliana Santos, DJ Ju Sanper, 31 (SP) compara sua rotina – ou a falta dela –, ao bordão musical do grupo É o Tchan!:  “uma mistura do Brasil com o Egito”. Para ela, cada dia é diferente. Embora os bailes aconteçam no final de semana, há muito trabalho antes de colocar o fone de ouvido e dar início a mágica na pista. Apesar de certa glamourização, estar sempre viajando para os congressos pode ser bastante cansativo. Luiz, mais conhecido como DJ Montini, 27 (PR), conta que viaja cerca de 16 horas de ônibus quase todos os finais de semana e volta para Londrina para trabalhar em seu outro emprego. “É complicadinho, mas acho que tudo fica mais leve porque o Zouk para mim é amor, né? Então isso deixa tudo mais leve, mas não é fácil não”, conta. 

Trabalho de DJ

Os/As DJs costumam ser os primeiros a chegar na festa, para sentir a proposta do evento e do ambiente. Em bailes, trabalham do início ao fim, já em congressos, fazem parte de um grupo que se divide para tocar em sets – conjunto de músicas com duração média de uma a duas horas. Nesses casos, ao ouvir o profissional anterior, buscam entrar com músicas diferentes, em oposição ou em continuidade ao clima do set anterior. A organização do evento dificilmente interfere nas escolhas. 

No computador, várias pastas organizam os diversos estilos, velocidades e energias. Durante o baile, o/a DJ tem o tempo de uma música para escolher a próxima a ser tocada e fazer a mixagem para que não percebam a troca. Dedz explica que, com a mixagem, tenta minimizar a troca de pares, pois se muitas trocas (de casais) estiverem acontecendo, significa que precisa melhorar a transição. De toda forma, o grande objetivo dos DJs é criar uma experiência que desencadeie emoções nos dançarinos. Não necessariamente os afetos provocados serão felizes, pois podem ser melancólicos, evocando a tristeza, podendo fazer a pessoa chorar. 

Há quem acredite que ser DJ é apenas escolher umas músicas e “aperta o play”, entretanto o elemento principal é saber observar a pista. Entregar o que as pessoas precisam pode ser, por exemplo, diminuir a velocidade das músicas ao perceber que os dançarinos estão muito ofegantes e cansados. Raffro lembra de quando foi o último a tocar no último dia do ForZouk 2023, congresso em Fortaleza (CE), e deixou a vibe tão tranquila que até o cachorro pastor alemão, que ficou brincando e correndo o congresso todo, dormiu. Ele recorda ainda que, quando as luzes do evento acenderam, as pessoas continuaram abraçadas mesmo depois de acabar a música. “A galera tava precisando daquilo. É mais maneiro quando você entende isso e da mesma maneira as coisas começam a se conectar, a fazer mais sentido”, conclui.

Para construir uma vivência para os dançarinos, Ju Sanper escolhe músicas marcantes para iniciar e finalizar um baile, para impactar no começo e ficar na memória no final. Em um congresso em Uberlândia, não estava contratada, mas fez uma participação no evento. Após o trabalho, muitas pessoas foram até ela comentar que amaram o set e que lembram qual foi a primeira música do set que ela tocou de tão marcante. Como a atenção está focada na experiência dos outros, uma das preocupações dos DJs tende a ser com aqueles que não estão dançando, em tentar descobrir o motivo para estarem parados e então fazê-los dançar. Thiago Frade, DJ Thiagão, 39 (RJ), orienta seus alunos a não se preocuparem somente com quem está na pista e, por isso, colocar músicas para agradar todos os gostos. 

Lados da profissão

Viver como profissional do mundo artístico demanda uma rotina marcada por viagens e incertezas, algo que pode preocupar as famílias, ainda mais quando ficam muito tempo longe de casa. Ju Sanper lembra quando recebeu uma ligação de sua sobrinha enquanto estava fazendo um trabalho em outro estado. A ligação era para perguntar que horas a tia chegava para comemorar seu aniversário, “isso doeu na minha alma, imagina uma criança entender que a tia que cuida dela desde que ela começou a respirar não ia para o aniversário dela. Doeu bastante”. Para evitar conflitos e não perder eventos familiares, os parentes do DJ Montini começaram a marcar na agenda dele os dias em que ele não poderia se ausentar.

No calendário dos DJs, os finais de semana estão sempre comprometidos. Marcelo Eyer, mais conhecido como DJ Zen Eyer, 37 (RJ), aponta a importância de estar saudável sendo DJ. Como estão sempre viajando a trabalho, não há tempo para ficar doente, então é preciso vencer a privação de sono, diferentes tipos de alimentação, mudanças de temperatura para garantir uma boa imunidade.

Pela baixa previsibilidade da profissão e pela ausência de um salário fixo, Zen busca se organizar financeiramente para não passar dificuldades. Como não há um preço tabelado entre os profissionais, cada um estipula o seu valor. Ju Sanper compartilha que sua maior dificuldade como DJ é a precificação,

“quando eu passava um valor, ficava com medo da pessoa achar que tá caro, achar que ‘tô metendo o louco’. E com isso a gente “paga para trabalhar”, porque acha que a pessoa vai chorar o desconto, então a gente já passa um valor muito abaixo”. 

Além de realizar um bom trabalho, os profissionais precisam ter uma boa imagem e um bom relacionamento com as pessoas, a fim de conseguir mais convites para atuar. Contudo, nem sempre os contratantes pagam um valor justo, que cubra os custos do cachê, alimentação, hospedagem e transporte. “Viver da dança é uma palavra muito forte, a gente sobrevive, é diferente”, ressalta Dedz. 

DJs não costumam ser valorizados como artistas. Thiagão explica que há pouco reconhecimento financeiro, porque as pessoas não valorizam o DJ, embora seja o profissional que faz as festas acontecerem. Ele acredita que viver do Zouk Brasileiro como professor é difícil, mas como DJ é mais complicado ainda. Para ele, esses profissionais trabalham pela paixão mesmo. “Eu vivo o sonho de fazer o Zouk virar uma coisa rentável para os DJs de Zouk, meu maior sonho é ver DJ que tem uma vida boa tocando o Zouk”, reitera.

Dedz recorda que ao entrar na dança de salão, foi reconhecido por ser bom em alguma coisa pela primeira vez em sua vida e, desde então, busca proporcionar a melhor experiência que pode para as pessoas. Ju gosta de ver os dançarinos cantando as músicas que ela toca e de ver o quanto as pessoas gostam de seu trabalho. No Zouk in Foco 2022, em Juiz de Fora (MG), houve um baile que começava às 22h e terminava às 10h da manhã e muitas pessoas perguntaram que horas ela iria tocar. Ao descobrir que Ju estaria no último horário, muitos dançarinos foram dormir no meio do baile para voltar a tempo de ouvir e dançar seu set. “Eu comecei a tocar e tava quase metade da galera do congresso dançando”, fala com orgulho. Raffro gosta de ver a entrega dos dançarinos, de ver o rosto, as sensações e as conexões de cada pessoa no baile. E Montini se sente realizado quando houve que seu set proporcionou a melhor dança da vida de alguém, porque “deixar as pessoas felizes me deixa muito feliz”