Além da diversão, a pista de dança pode proporcionar uma das melhores experiências de dança na vida dos dançarinos
Escrito por: Mileni Francisco | novembro de 2023
Bailes de dança de salão são a oportunidade para praticar com diferentes corpos, pessoas e músicas, e que podem não ter hora para acabar. Todos têm a oportunidade de dançar, independentemente do nível, pois não é momento para explicação ou correção de passos, é para prática, integração socialmente e diversão. De maneira geral, esse tipo de evento se destina à comunidade, para acolher aqueles que estão chegando. O valor médio varia de R$20,00 a R$60,00 e serve para cobrir os gastos com o espaço, banda e/ou DJ e equipe de recepção e bar. A consumação no bar e os ingressos – antecipados ou comprados na hora –, garantem o lucro, mas o sucesso de um baile se nota na pista, quanto mais cheia, melhor.
Se tratando de um baile de Zouk Brasileiro, não há um dress code, cada pessoa vai da forma como preferir. A professora de dança Tracy Nathalia, 34 (PE), conta que ao comprar roupas, testa algumas movimentações para ver se é boa para dançar. “É a roupa que você se sentir mais confortável, em todos os sentidos, tanto de flexibilidade do tecido para conseguir se mexer bem, quanto que você se olha no espelho e se sente bem para para ir dançar, sabe?”, explica Melyssa Tamada, 22 (SP), também professora de Zouk Brasileiro. Porém nem todas as danças de salão são assim, explica Melyssa. Segundo ela, na Bachata, é preciso estar bem vestido/a, pois mulheres sem maquiagem e salto alto não são chamadas para dançar. Em relação aos sapatos para dançar Zouk Brasileiro, a lógica do conforto se aplica, por isso é comum ver dançarinas de tênis ao invés do salto.
Cada dançarino tem visões e objetivos diferentes sobre o baile. A artista Lívia Veras, 32 (RO) compartilha que o baile já teve muitos significados para ela. “Já foi um lugar proibido, porque vivi um relacionamento que não me era permitido estar ali. Já foi o lugar de me encontrar de volta, de saber quem era eu a partir da dança. Já foi lugar de divertimento, de treino, de trabalho, de conversar com os amigos”. Seu ex-parceiro, Matheus Correa, 26 (PR), enxerga como um laboratório, em que busca identificar o padrão de movimento de quem está dançando, testar movimentações e variáveis que o ajudam em termos didáticos para explicar em aula depois. Ele relata que consegue perceber muito sobre a interação humana em si, sobre o ser humano e também enxergar o estilo de dançar das pessoas.
Não raro, ir para um baile significa dançar muito e ter boas experiências. Porém, nem sempre isso acontece. O professor de dança Vinicius Mesquita, 35 (DF,) lembra que às vezes não conseguia sentir como era o toque da outra pessoa, porque estava preocupado com outras coisas. “Se conectar com o momento presente, a gente percebe que não só ajuda na dança, como ajuda na vida”, recomenda o profissional quando a cabeça estiver longe da dança.
Depois de construída a conexão entre quem está dançando, é comum entrar em um estado de Flow, momento em que os dançarinos relaxam e dançam de um jeito fluido, quase inconsciente. Nessas horas, percebe-se muita entrega por parte dos dançarinos. Infelizmente, essa entrega pode ser confundida com interesse amoroso ou sexual e, por conta disso, há quem se aproveite do momento para ficar com outra pessoa. O professor de dança Ítalo Barbalho, 24 (BA), observando esse comportamento, chegou a questionar em suas redes sociais a quantidade de casais se beijando nos últimos eventos.


Dançarinos no baile do Zouk Lovers 2023 | Crédito: Léo Silva
Praticar em sala de aula é muito diferente das festas. A vivência da dança social proporciona experiências únicas, tanto pela quantidade quanto pela qualidade das danças. Há pessoas para dançar apenas uma música, outras para um set inteiro e, há ainda, aquelas que dançam o baile inteiro com apenas uma pessoa.
“Às vezes uma música não é o suficiente para contar uma história ou para ler essa história, a história do outro, o mundo da outra pessoa”, acredita Lívia.
Na primeira vez que a professora Stefanny Jeniffer, 26 (RS), dançou um set inteiro – aproximadamente uma hora –, com a mesma pessoa, recorda que, como estava acostumada a trocar de par a cada música, “foi transcendente para mim”.
Há dançarinos que preferem maior rotatividade para dançar com um maior número de pessoas. Quando veem pessoas “presas” em um set inteiro, podem se cansar e se frustrar. Além disso, é comum ter fila de espera para danças com professores. “Não sou a favor de ficar tipo esperando para dançar com o professor. Acho que tu perde o seu baile, sendo que tem pessoas incríveis na pista de dança que não são renomadas, mas que vão te trazer uma dança maravilhosa”, defende Stefanny. Ela complementa que o dançarino deve abraçar a oportunidade de fazer uma boa dança com quem o chamar para dançar, sem ficar esperando.
Convidar uma pessoa para dançar exige certa coragem, porque há uma expectativa envolvida, seja pela resposta ou pela própria dança. Nos bailes, é corriqueiro que os homens tomem a iniciativa, mas nada impede que as mulheres também o façam. O problema é quando se formam as “panelinhas” de grupos de alunos e amigos. “Existe um ciclo meio fechado de pessoas que só querem dançar com quem sabe”, comenta o advogado Ricke Gonçalves, 39 (MG). Algumas pessoas podem se sentir intimidadas e, até mesmo, repelidas por conta desses grupos. Indo de encontro a essa visão, o enfermeiro Ricardo Frazão, 34 (RJ), conta que se dedica a convidar pessoas que estão em panelinhas nos bailes, pois “sou fura panela mesmo”.
Ao receber um convite para dançar, há sempre uma escolha: aceitar ou negar. Dizer não pode ser mais difícil para umas pessoas do que para outras, em especial quando dizem sim querendo dizer não. Há dançarinos que não gostam de negar, como o artista Cloves Mascarenhas, 31 (BA), que aceita uma dança mesmo se estiver comendo ou tomando algo. O DJ Raffro, 49 (RJ), tem a mesma visão, porque não sabe de onde aquela pessoa veio, que força precisou fazer para chamar para dançar, pois crê que “às vezes se negar uma dança ali, talvez ela nunca mais volte”. Receber um não pode acontecer com qualquer um, sobretudo com iniciantes. “Acho que é mais a forma como a gente diz não do que eu não em si, porque ninguém é obrigado a nada. Se você não quiser dançar, você não vai dançar”, acredita Tracy.


Dançarinos no baile do Zouk Lovers 2023 | Crédito: Léo Silva
Profissionais sentem uma pressão maior para aceitar uma dança, ainda que estejam cansados. Existe uma ideia de obrigação, de que os professores de um congresso, por exemplo, devem dançar com todo mundo e o tempo todo. Dessa forma, as filas surgem e uma organização se constrói, de maneira que as pessoas terminam de dançar com um profissional e entram na fila de outro. Profissionais do Zouk Brasileiro compartilharam abordagens agressivas e abusivas que já receberam. “Eu paguei pelo congresso, você tem que dançar comigo” é um exemplo de frase que já ouviram, além das encaradas e até mesmo de perseguição pelo salão e no camarim do evento. “Não gosto quando tem esse tipo de sensação de me sentir um produto. Eu sei que sou um produto mas não me dá o feeling de que sou um produto, entendeu? A dança não vai ser legal”, desabafa o artista Renato Veronezi, 43 (SP).
Ao dançar com um/a profissional, além do nervosismo, há uma série de expectativas. Sobretudo por acreditar que precisará fazer movimentações difíceis. Mas, não necessariamente. Pode ser que a dança fique apenas dentro de um abraço e seja tão boa sem executar muitos passos. Vini Mesquita conta que ao conduzir as pessoas, sentia que elas esperavam algo dele como profissional, que fizesse as mesmas coisas que faz com a Carol Dumay, 33 (DF), sua parceira. Desde então, trabalha para diminuir essa pressão, “de fato, quando eu abraço alguém hoje, quero ver o que você tem de mais especial e vou tentar te mostrar o que eu tenho de mais especial e geralmente isso não tá vinculado a movimento”, declara Vini.
Dançar sem precisar acertar ou fazer movimentos complicados pode ser muito mais leve. Quando estão dançando com um/a aluno/a, os profissionais sabem de sua responsabilidade, já que podem influenciar na relação com a prática e na continuidade daquela pessoa no ambiente. Apesar da aclamação profissional, às vezes não ser reconhecido pode ser algo interessante. A artista Luana Weinmann, 30 (RS), recorda de sua primeira vez fora do Brasil, em que foi para cidades no interior dos países que visitou em que não conhecia ninguém, “eu não tinha pressão de ser professora de ninguém, as pessoas me olhavam como uma pessoa qualquer e foi muito gostoso, essa experiência de não sei ninguém ali”.
Inevitavelmente, todos os dançarinos vão passar por algum tipo de julgamento, em competições, nas apresentações, por seu comportamento ou por sua dança em bailes. No caso dos artistas é algo mais complexo, porque, mesmo em momentos de lazer, o julgamento vai se refletir em seu trabalho. Dedicar-se à arte mexe com as emoções e com o ego das pessoas. A professora de dança de salão Ruana Vasques, 34 (CE), comenta que [os profissionais] precisam lidar com a rejeição o tempo inteiro, pois ao mesmo tempo em que uma pessoa te vê como a melhor do mundo, outra não gosta do seu trabalho.


Dançarinos no baile do Zouk Lovers 2023 | Crédito: Léo Silva
Seja a melhor dança
Durante uma aula do Gostinho de Floripa Zouk, em julho de 2023, o professor de dança de salão Dion Willian, 38 (PR), contou que em muitas danças, um dançarino precisa se doar pelo outro. Ele quis reforçar a ideia de que aquele momento não é só sobre si, é também sobre a outra pessoa, sobretudo quando há diferença entre os níveis dos dançarinos. Ao encontrar iniciantes em bailes, esse se doar diz respeito a não fazer movimentos que o outro não conseguirá fazer e tentar usufruir do melhor daquela dança e do que aquela pessoa pode oferecer, proporcionando um momento acolhedor. “Tenta dar a melhor dança da sua vida para essa pessoa, [fazendo com] que essa pessoa vá se sentir motivada, vá estudar mais e vá para mais bailes”, recomenda Ítalo. Stefanny lembra de várias situações em que era rejeitada em bailes por ser novata. Para evitar o sentimento de rejeição e a desistência, há alunos e profissionais que se empenham em dançar com iniciantes para incentivá-los. “Nós queremos mais parceiros para dançar, logo temos que incentivar quem está começando”, acredita a profissional.
Existe muita cobrança e autocobrança pela técnica, pela estética, pela limpeza dos movimentos e pela ausência de erros, mas nada adianta um dançarino dominar a técnica, se não souber se adaptar a corpos que não sabem.
“É muito possível dançar com diferentes níveis e acho que é o mais legal na verdade. Aproveitar diferentes corpos, diferentes possibilidades que cada corpo vai trazer, que cada história vai trazer”, ressalta a professora de dança de salão Aline Cleto, 34 (SP).
Embora a técnica seja fundamental, não é preciso saber milhões de passos para ter uma boa experiência. Matheus Correa acredita que, às vezes, a pessoa que dança a mais tempo só quer um abraço bem feito, um abraço de corpo inteiro, de alma, ela não quer que o outro tenha que fazer muitas coisas. Stefanny tem a sensação que ao dançar com algum profissional que admira, a pessoa sempre vai tirar o melhor dela, “talvez não seja o melhor para ele, mas já é o melhor de mim”. A professora de Ananindeua Lívia Paixão, 33 (PA), recorda quando dançou várias músicas com o profissional Val Clemente, 36 (RJ), e sentiu “como se fosse a melhor dançarina por ele a fazer sentir assim”.

Toda dança é um reflexo de como o dançarino está, logo, nem todas as danças serão boas. Carol lembra de um baile em que admirava Xandinho, 22 (PR), e Adriana Gomes, 27 (SP), dançando e “babava” pela vibe gostosa, viu ambos sorrindo durante a dança e tinha certeza de que estava junto com eles, flutuando naquela dança. Enquanto estava imersa, alguém a chamou para dançar, ela aceitou, mas queria manter a energia mais lenta. “Eu só fazia de forma mais sentida, de forma mais densa e consegui transformar a vibe daquela dança, porque eu tava querendo”. No final, imaginou que o parceiro estaria chateado por não ter feito o que ele queria, mas, para sua surpresa, ele disse que tinha sido incrível e que ela era muito “cremosa”. O fato de Carol ter escolhido o rumo daquela dança a tornou boa para os dois, pois, para ela, “as melhores danças sociais que tive foi quando eu tava muito entregue naquele momento e muito conectada comigo mesma”.
Estar em estado de flow ou experienciar a melhor dança da vida pode deixar o coração acelerado ou gerar extremo relaxamento. Costuma ser um momento de conexão em que nada mais parece importar. Tracy descreve as melhores danças de sua vida como aquelas em que se sente conectada com a outra pessoa e que há respeito de seus limites, quando tem a liberdade de colocar seu jeito dentro da dança. Ela gosta também de explorar a musicalidade, propor alguma mudança na movimentação e ser “ouvida” durante a dança, “gosto dessa sintonia ali quando a gente consegue ser dois, mas ser um só dançando ali, é muito bom, é uma sensação de liberdade e de leveza”.
Stefanny acredita que o que a faz ficar tanto tempo em uma dança é o fato de perceber que a pessoa não tem nenhuma segunda intenção e que a faz se sentir em casa. Para estar aberto a ter boas experiências em um baile, Carol recomenda desconectar-se do mundo externo, ouvir o que está sentindo e trazer esses sentimentos para sua dança.
“Acredito muito que a dança é uma ferramenta de cura, então quando você entende o que você tem, consegue botar um pouco dessa emoção para fora e se cuidar um pouco, sabe? Se acariciar ali um pouquinho, viver aquele momento com você mesmo.”
