Descubra o que diferencia pessoas iniciantes, intermediárias e avançadas na visão de profissionais
Escrito por: Mileni Francisco | novembro de 2023
Imagine que em uma turma de Zouk Brasileiro iniciante há duas pessoas que entraram no mesmo dia. Teoricamente, em seis meses ambas estarão no mesmo patamar, certo? Não. Além do tempo não medir a evolução de um dançarino, não dá para comparar o tempo de aprendizagem das pessoas. “Tem gente que aprende mais rápido, tem gente que aprende mais devagar e tá tudo bem. Cada um dentro da sua velocidade e do seu limite”, ressalta a professora Ruana Vasques, 34 (CE).
Aulas de dança de salão costumam ser separadas por níveis para agrupar pessoas de uma mesma categoria: iniciante, intermediário e avançado. Porém, a aula que uma pessoa faz não quer dizer, de fato, que esteja naquela faixa. Há certa subjetividade ao classificar o nível de um dançarino de acordo com o tipo de dança. Não existe uma regra que agrupe pessoas como acontece no sistema de faixas do Jiu Jitsu. Na dança, as vivências e a interpretação de cada indivíduo o faz criar critérios para definir a categoria das pessoas.
Algo que acontece com certa frequência é o dançarino achar que está em um nível mais adiantado, mas precisa praticar elementos que são de um nível anterior. Em aulas particulares de Zouk, por exemplo, é comum pedirem aulas de movimentos de cabeça, giro inclinado e outras técnicas mais complicadas. Mas, são os fundamentos que levam a execução de movimentos complexos, pois são um conjunto de técnicas aplicadas. A professora de dança de salão, Paloma Alves, 36 (RJ), conta que existe uma brincadeira entre os profissionais sobre os níveis em que quem está no avançado volta para os fundamentos.
“Se você se considera para sempre um iniciante, melhor. Eu me considero iniciante e vou ser iniciante até o último dia da minha vida”, revela a profissional.
Nas danças à dois, muito se fala que ela é uma “conversa”, uma pessoa fala, a outra escuta, que então responde e tem sua réplica, ou seja, é um diálogo entre o par. Para compreender o que diferencia cada nível, Paloma compara a dança com a evolução da fala e escrita: quantas sentenças consegue fazer e de quantas formas diferentes consegue combinar palavras para se comunicar.
Quando é iniciante, escuta várias sílabas, mas encontra dificuldade em conectá-las, a pessoa aprende muitos passos e, necessariamente, não consegue juntar eles. Ainda não tem muita consciência das possibilidades do que fazer com os códigos que aprendeu, fala apenas um “Oi, tudo bem?” na conversa. Ao passar para o grau intermediário, consegue formar sentenças e estabelecer um diálogo, junta os movimentos que aprendeu adicionando conceitos como, por exemplo, o preenchimento dentro de um abraço. Conhece mais combinações, porque já dominou o código e consegue se deslocar dentro de diferentes propostas. Já o avançado se comunica muito bem, analisa o contexto e sabe adaptar a sua fala, fazer pausas e enfatizar aquilo que precisa ser realçado. Tem uma escuta aguçada, tanto da música quanto do corpo da outra pessoa e consegue se comunicar na mesma linguagem do outro.
Não há um único critério para definir o nível de uma pessoa na dança. Ainda com a visão sobre a linguagem, pense em uma criança quando chega no Ensino Fundamental II, que passa a ter várias disciplinas diferentes na escola: Português, Matemática, Ciências, História, Geografia, etc. Em cada uma dessas matérias, precisa aprender aquela linguagem. Na dança, o equivalente seria: técnicas dos passos, musicalidade, consciência corporal, conexão com parceiro, confiança, etc. Cada elemento possui uma infinidade de aprendizados e pode ser que a pessoa esteja em níveis diferentes para cada um desses elementos.
Se um aluno sabe Matemática desde quando aprendeu a ler e possui muita facilidade, nos estudos estará mais avançado do que os demais – ainda que estejam na mesma turma. Da mesma forma, uma pessoa que fez dança solo por anos ao chegar no Zouk Brasileiro, está avançada em relação a consciência corporal e a musicalidade, mas é iniciante na técnica dos passos. Ao contrário do que muitos acreditam, o tempo de dança e a quantidade de movimentos não são usados por professores como critérios para diferenciar os níveis dos dançarinos. O que de fato importa são: a maturidade técnica, a maturidade corporal, a maturidade musical, a dedicação e o comportamento. Cada etapa e cada critério possuem desafios únicos de um processo de constante aprendizado e evolução.



Dançarinos no baile do Floripa Zouk 2023 | Crédito: Beatriz Rey
Maturidade técnica
Ao observar casais dançando, é possível identificar o nível de uma pessoa apenas pela forma como executa o passo básico, pois a técnica de execução do movimento é diferente. Paloma explica que o passo básico não tem nada de básico, mas pode ser explicado de forma básica e ser aprofundado depois. “Dentro do passo básico existe o básico iniciante, intermediário e o avançado, que está relacionado com a sua capacidade de adaptação e a prática”. O Zouk é uma dança que precisa de adaptação e de prática da técnica daquilo que se aprendeu para criar essa maturidade técnica.
Na esfera mais avançada, há premissas de controle da pisada, impulso, suspensão e aterramento do corpo e conexão da respiração à execução do movimento. O professor de dança de salão, Alex de Carvalho, 46 (RJ), conta que ao analisar a maturidade técnica, se observa o quanto a pessoa faz um movimento limpo ou tecnicamente bem executado. Grace Lira, 23 (PB), também professora de dança, parte da premissa que o ato de dançar é um ciclo constante entre os níveis, pois quando um dançarino chega ao nível avançado, volta para o iniciante em busca de mais possibilidades que deixem a base mais sólida.
Maturidade corporal
Um dos elementos fundamentais para adquirir maturidade corporal é compreender qual é o “corpo” da dança de salão que se quer dançar. Não se trata literalmente da estética física do corpo, mas sim da forma como o corpo deve ser dançado naquele estilo. Se refere às características corporais da dança que faz com que pessoas de fora consigam olhar e identificar qual é aquela dança mesmo sem a música, apenas pelo corpo.
Outros elementos que contribuem para o ganho dessa maturidade é a própria consciência corporal, quando o dançarino compreende as sensações e os movimentos que seu corpo executa. A partir da consciência corporal, o dançarino identifica o próprio limite e respeita suas fronteiras. Garante também, o controle muscular, ao executar movimentos com precisão, leveza e fluidez e calibrar o tônus muscular em diferentes momentos.
A maturidade corporal também pode estar associada à resistência física do corpo, em especial quando faz apresentações de coreografias com passos aéreos que exigem força sem perder a fluidez. E ainda, se relaciona a adaptação com o próprio corpo e com o do parceiro. Cloves Mascarenhas, 31 (BA), professor de dança de salão, acredita que ao chegar em um nível avançado, a pessoa possui domínio do que executa e busca cada vez mais melhorar a conexão com o parceiro e com a música.


Dançarinos no baile do Floripa Zouk 2023 | Crédito: Beatriz Rey
Maturidade musical
A maturidade musical combina tanto a habilidade de ouvir e compreender a música, quanto conectar isso com o corpo e com o par. Ruana usa o mesmo critério só que em fases distintas para explicar a aplicação da musicalidade no corpo do dançarino. Ela descreve que no iniciante, a pessoa teve alguma aula em que foi explicada a musicalidade daquela dança, compreendeu que existe uma marcação a ser seguida e às vezes consegue seguir a marcação, outras não. O intermediário mantém o tempo e consegue ter um bom aproveitamento musical, brincando e explorando a partir da interpretação musical. Enquanto na categoria avançada, se espera que seja muito musical, que consiga brincar com a música com tranquilidade, sem precisar se concentrar. Pode dançar músicas menos marcadas, explora a aceleração e desaceleração da música em meio ao controle dos fundamentos.
Dedicação
Outro critério usado para explicar a diferença entre os níveis é a dedicação do dançarino. O dançarino e professor, Walter Fernandes, 29 (RJ), crê que juntar o sensorial, o toque e o mental proporcionam uma evolução muito maior para o dançarino. O professor faz uma analogia ao processo de aprender a andar. Quando se é bebê, tenta ficar em pé e depois cai, tenta de novo – mesmo com medo –, até se sentir confiante e ter a coordenação motora para andar, pular e correr. Na dança, quanto mais praticar, mais vai passando de nível. “Se sua dedicação for muita, vai ter um ‘level’ estrondoso perante as outras pessoas, mas se a tua dedicação não for tanta, vai demorar mais. Não vai ser rápido como automaticamente a tua cabeça deseja, vai ser pela tua determinação de corpo, toque e mente”, atesta Walter.


Dançarinos no baile do Zouk Hour 2023 | Crédito: Agnaldo Moita
Comportamento
Além da execução do passo básico, analisar o comportamento dos dançarinos também possibilita identificar a que nível pertencem. Não é uma regra, é apenas uma análise. A pessoa que está começando demonstra insegurança, acredita que não sabe nada e que todo mundo sabe mais do que ela. Em bailes, prefere dançar com pessoas iniciantes como ela para se sentir bem.
No intermediário, o dançarino quer ser visto dançando bem, então evita dançar com pessoas mais iniciantes. Enquanto que os avançados buscam acolher e incentivar pessoas iniciantes porque entendem que já passaram por esse processo e veem a importância de abraçar novas pessoas para fazer a comunidade crescer. Contudo, há indivíduos avançados que se deixam levar pelo ego e sua dança é afetada por isso. “Pense sempre na sua dança como algo mais humano e que agregue pessoas e não as distancie de você”, sugere Carol Correa, 29 (RJ), professora de dança.
Entre os critérios mais subjetivos, o comportamento está bastante ligado ao quanto a pessoa se relaciona com as outras para além da técnica. Assim, de nada adianta ser uma pessoa que dança muito bem, mas é preconceituosa, egoísta, por demais insegura ou arrogante. Pessoas solidárias, empáticas e dispostas a enfrentar os medos tem muito mais chances de evoluir na dança – assim como na vida –, pois tendem a formar parcerias melhores, receber convites e ser bem quisto no meio.