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Dançarinas no baile do Sampa Zouk 2023 | Crédito: Baila Mundo

A realidade de não ser “padrão” (reportagem completa)

Tempo de leitura: 14 minutos

Profissionais com diversos tipos de corpos inspiram e trazem novos públicos para o Zouk Brasileiro

Escrito por: Mileni Francisco | novembro de 2023

A dança de salão não tem gênero, cor, orientação sexual, idade, corpo ou regionalidade certos ou errados – ela é para todos que querem dançar. No Zouk Brasileiro, jovens e adultos predominam, mas há pessoas de todas as idades, de crianças a idosos. Muitos profissionais apontam que o Zouk Brasileiro é mais diverso e inclusivo que outras danças sociais, mas nem sempre foi assim. 

Ao longo dos anos, o papel da mulher dentro da dança deixa de ser visto como “embelezar” a dança ou servir como assistente. Antigamente, pouco se via homem dançando com homem ou mulher com mulher, porque associavam à homossexualidade, como se isso fosse defeito ou problema. O professor de Lambada Hudson Dias, 28 (RJ), conta que foi um dos primeiros a dançar como Conduzido em bailes no Rio de Janeiro e que, no início, dançava apenas com seus amigos por sentir homofobia na pista. “Hoje tem esse entendimento de que a dança não tem gênero e que pessoas do mesmo sexo ou de gênero fluido vão sim trabalhar juntas, vão dançar juntas não por interesse sexual, mas por um interesse profissional”, compartilha o professor de danças sociais Felipe Lira, 28 (SP). 

Conforme as minorias sociais ampliam sua voz, antigos padrões são substituídos. Pessoas com corpos diversos estão sendo cada vez mais respeitados, seja por uma mudança real da sociedade, baseada na compreensão e entendimento, ou então pelo medo do “cancelamento” – algo que se tornou corriqueiro por conta das redes sociais. “Quando a gente surgiu, tinha essa preocupação de mostrar um bom trabalho porque sabia que ia ter críticas. Se fosse antes, muita gente não ia ter tanto respeito”, compartilha o dançarino Diego Basílio, 23, sobre sua parceria com Kevin Oliveira, 27, ambos de São Paulo. 

Na grade de professores de eventos há predominância de duplas compostas por pessoas brancas. Cabe considerar que isso também se trata de uma questão social. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, a taxa de pobreza é duas vezes maior entre pardos e negros quando comparadas com brancos. A dança, assim como outras práticas artísticas, não é acessível financeiramente para todos, pois pessoas de baixa renda têm mais dificuldade de ingressar nesse meio, ou seja, isso implica na menor representatividade no meio profissional de pessoas negras.

Na dança, a comunidade costuma se ajudar ao dar espaço e oportunidades para diferentes talentos brilharem. O professor de dança Walter Fernandes, 29 (RJ), lembra quando começou na dança de salão e sua mãe catava lixo de madrugada para que ele tivesse o dinheiro da passagem de Duque de Caxias até Ipanema, tendo que suportar mais de quatro horas dentro de um ônibus, ida e volta. Ele não faltou um dia de dança por quatro anos, cuidando de sua saúde para não perder nenhuma aula, é por isso que “sempre falo que minha maior inspiração foi minha mãe porque ela me deu um sonho, ela me deu a oportunidade de sonhar porque antes eu não sonhava com nada”

Apesar dos avanços, a dança de salão ainda é um ambiente excludente – tal qual a sociedade. Mesmo dentro do Zouk Brasileiro, há uma bolha social que permanece com as mesmas pessoas, que nem sempre é receptiva com quem está chegando e com a diversidade dos corpos. Há muitos desafios para garantir a inclusão dentro da cena Zoukeira, sendo cada vez mais importante garantir inclusão e acessibilidade nas escolas, nos bailes, nos congressos, etc. 

Mulheres

Kamylla Chagas, Maelly Pöerch e Camila Magalhães no Floripa Zouk 2023 | Crédito: Beatriz Rey

Historicamente, ser mulher na dança de salão significa enfrentar muitos desafios para ser respeitada como dançarina e como pessoa. A desvalorização do papel de Follow, o julgamento ao conduzir, as cobranças injustas, a desigualdade salarial, a escassez de oportunidades às profissionais e a luta contra o assédio são alguns dos desafios para (r)existir como mulher na dança. “Ser mulher na dança é resistência, é você ser chata, é você não se misturar com essa panela imunda que existe na dança, tá ligado? Porque querendo ou não é como se fosse uma elite e tem que lembrar que nem todo mundo é elite, né?”, reforça a professora de Lambada Grace Lira, 23 (PE). 

Em sua primeira experiência como professora de dança de salão, Rubia Frutuoso, 38 (SP), estranhou que a única voz a ser respeitada era a do homem e que existia um certo estranhamento com a figura feminina falando dentro da sala de aula. Quando foi convidada para sua primeira parceria, percebeu que o convite não era para, de fato, atuar como professora, mas sim para embelezar. “A primeira vez que eu abri a minha boquinha em sala de aula foi um silêncio mórbido”, atesta.

Nem todas as mulheres se sentem à vontade ou têm a oportunidade de falar em aula, às vezes quando o professor pede ou quando é algo sobre a parte da pessoa conduzida é que são convidadas a se expressar. As perguntas dos alunos costumam ser dirigidas ao professor e não à professora, ficando como segunda opção. “Até mesmo as próprias mulheres, quando vão fazer uma aula particular com alguém, não importa o tamanho do seu conhecimento, a preferência na escolha vai ser masculina. A menos que ela queira saber sobre ‘enfeites’, aí escolhe a mulher”, relata a professora Irla Carina, 32 (MA). 

Natural de Recife (PE), a professora de Zouk Brasileiro Mariana Villar, 22, compartilha que ser mulher na dança é ser subestimada o tempo todo e sentir a necessidade de ficar provando a todo momento que é boa o suficiente.

“A gente que é mulher precisa mostrar duas vezes mais competência para ter o mesmo respeito [que um homem] e olhe lá pra conquistar alguma autoridade”, complementa Rubia. 

As relações de poder e de credibilidade dos homens sobre as mulheres se refletem nas danças a dois. “Não existe prazer em relação de poder”, garante a artista Andressa Siqueira, 26 (RJ). Rubia recomenda deixar evidente qualquer coisa que deixe uma mulher desconfortável, pois “se não te acharem doce/agradável, ótimo, porque aí eles vão se afastar e você deixa o seu universo mais saudável”. 

Em oposição, a realidade de ser homem na dança é, em geral, vinculada à orientação sexual, pressupondo que são gays. Caso contrário, se é hetero, dizem que está ali para “ficar com as mulheres”, como se um homem não pudesse dançar apenas porque gosta. Há certa necessidade de provar a masculinidade no meio dançante, pois o machismo não prejudica somente as mulheres, é danoso para todos. Felipe Lira ouvia de muitos profissionais que não podia rebolar mais ou ser mais feminino que sua parceira, “tive que buscar aulas de teatro para poder explorar essa masculinidade que ninguém nunca soube me explicar o que é ser masculino”.

Negritude

Dançarinos no baile do Zouk Hour 2023 | Crédito: Beatriz Rey

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2022, mais da metade da população brasileira se autodeclara como pardos (45,3%) e pretos (10,6%). Apesar de serem a maioria no país, são minoria na dança de salão. A professora de danças sociais Bruna Peçanha, 22 (RJ), comenta que é até difícil lembrar quantos profissionais negros há no Zouk Brasileiro, com predominância de mais homens que mulheres. Nos eventos também há predominância de pessoas brancas. A baixa representatividade social acontece, em parte, porque a educação artística é um privilégio que nem todos têm acesso

Os reflexos do racismo estrutural estendem-se à dança. O professor de danças a dois, Pedro Castro, 21 (RJ), observa que a formação dos profissionais pode ser melhor compreendida sob a ótica de uma sociedade carregada de preconceitos. Ele aponta que se vê maior quantidade e aceitação de homens negros em parceria com mulheres brancas – como se isso fosse “um símbolo do sucesso”. E pouco se vê uma dupla em que ambos são negros. Ele e a parceira Ana Cecília, 22 (RJ), são um exemplo raro de profissionais pretos e, ainda, de referência internacional.

“Nessa pouca representatividade de pessoas pretas a gente se coloca no lugar de que existe, por trás de todo o nosso amor e paixão pela arte, uma missão também de ser essa referência para as pessoas que vão vir. Acho que a nossa arte perpassa por isso, por quem a gente é”, compartilha Ana. 

Quando questionados sobre discriminação em meio a dança, os profissionais entrevistados não lembraram de nenhum caso explícito. Contudo, “como professora, sinto esse preconceito mais de quem tá entrando na dança, [pois] sempre tenho que provar que sou boa e que sei do que estou falando. É uma coisa que já é tão natural na minha na minha mente que já faço isso naturalmente quando tô dando aula”, comenta a professora de dança Evellyn Vasconcelos, 29 (AL). O professor Hudson complementa que, para a sociedade, é muito difícil acreditar que “uma pessoa negra pode ser realmente artista”. 

Embora não haja um nítido preconceito no ambiente Zoukeiro, o professor Walter Fernandes, 29 (RJ), esclarece que precisa “saber se comportar” em cada local, sobretudo em países com racismo mais evidente. “Tento me adaptar a cada ambiente. Tive que falar um pouco de russo e andar um pouco até como russo para poder me encaixar no local, porque sou preto”. Melyssa Tamada, 22 (SP), professora de Zouk Brasileiro, conta que dança para expressar toda a felicidade que a dança traz para ela. Já Marck Silva, 25 (PE), professor e parceiro de Melyssa, reflete que expressa todo o sofrimento que passou para chegar onde chegou, pois “quando eu danço isso tá muito no meu movimento, carrego isso comigo”.

LGBTQIAPN+

Dançar à dois é uma arte que engloba pessoas LGBTQIAPN+, uma sigla que reúne uma série de identidades de gênero e orientações sexuais: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queers, intersexuais, assexuais/arromânticas/agênero, pan/polissexuais, não-binárias e muitas outras. No entanto, na prática nem todas as pessoas compreendem ou respeitam o que o outro é. A professora de dança de salão Luana Weinmann, 30 (RS), conta que já ouviu comentários bifóbicos, de que ela iria se aproveitar das pessoas dançando e, por isso, sente que precisa tomar cuidado, até mais do que precisaria, para que alguém não se sinta mal dançando com ela pelo fato de ser bissexual, “é muito doido isso, mas às vezes sinto que eu mesma me seguro de me conectar com pessoas com medo de ser mal interpretada”. 

Diego Basílio conta que teve “sorte” de não ter recebido tanto preconceito, mas que foi difícil se assumir no meio da dança, porque achou que não seria tão respeitado. Contudo, já aconteceu de pessoas não fazer aula com ele ou de não dançar com seu parceiro, Kevin. No Sertanejo Summer Festival, de 2023, durante as trocas de parceiros em aula, um aluno se recusou a dançar com outro, que estava como Follow. Após o ocorrido, o congresso foi interrompido para falar sobre a diversidade na dança e para encerrar o evento, uma demonstração de vários profissionais com a professora Vitória Ramos, 29 (SP), uma mulher trans, emocionou o público.

Quando Felipe Lira iniciou na dança, não entendia porque não podia dançar como Follow em bailes ou com seu irmão gêmeo. Hudson comenta que no Rio de Janeiro havia meninos dançando como Conduzido, mas que não levavam a sério e amarravam a blusa para associar ao feminino. Nas primeiras danças sendo conduzido, ele tinha medo que achassem que estava dando em cima, então dançava afastado das pessoas. 

À medida que professores começaram a dançar nas festas como Conduzidos, deu a oportunidade para que alunos, que também tinham essa vontade, ocupassem esse espaço. O enfermeiro Rodrigo Frazão, 34 (RJ), revela se sentir confortável nos bailes graças ao trabalho de outros profissionais, “a gente tem que agradecer a eles que botaram a cara a tapa, que disseram que sim, nós podemos dançar de Follow, que não é porque eu tô querendo tomar um papel de uma mulher. A gente não quer ser uma mulher não, só quero dançar, entendeu? Pra gente estar sorrindo hoje, eles já choraram muito”. 

Em meio a uma aula realizada no Centro Educacional Unificado (CEU) Feitiço da Vila, em São Paulo, Vitória foi ajudar um aluno que estava com dificuldade e ouviu “com pessoas assim, viado, eu não quero fazer não”. Após essa fala, ela pediu respeito, como pessoa e também como profissional, pediu que ele se retirasse, mas que o perdoava e daria mais uma chance à ele. Na semana seguinte, o aluno contou que foi para a aula ver como era a aceitação das pessoas na dança, porque, na verdade, estava com medo de se assumir gay para a família, mas queria dançar como ela. A professora conta que mais tarde o aluno “se assumiu”, participou de vários campeonatos de dança e fez declarações e agradecimentos a ela por sua ajuda. 

Além dos julgamentos, Vitória conta que alguns homens a veem como alvo sexual durante a dança, assim como fazem com outras mulheres. Outro enfrentamento é lidar com pessoas querendo comparar uma mulher trans com uma mulher cis,  julgando-a apenas pela diferença na força durante as competições. “As mulheres precisam entender que eu sou uma trans, mas não sou uma mulher [cis]. Então para mim é muito difícil tentar imprimir um corpo muito mais feminino, uma visão muito mais feminina, trejeitos femininos”. Ela complementa que como uma criança que nasceu com um órgão genital masculino, mas se percebe como menina, as pessoas precisam entender que também é muito difícil para ela, “não é só o fato de ter força, é fato que não sou uma mulher cis”. 

Dançarinos no Jack and Jill 2023 da Escola 3D, em São Paulo | Crédito: Baila Mundo

Ser um profissional LGBTQIAPN+ na dança significa abrir caminhos para que outras pessoas se sintam à vontade para expressar livremente. “Ser uma mulher trans na dança não é fácil, nunca foi. Mas estou aqui para mostrar que as pessoas podem fazer isso também”, contribui Vitória Ramos. A escola de dança Zathus, em Porto Alegre (RS), possui a maioria da equipe composta por professoras e estimula os alunos a fazerem ambos os papéis na dança. Martha Royer, 31 (RS), sócia da Zathus, compartilha que não percebe muito preconceito como bissexual na dança e se vê respeitada pelas pessoas, em especial por outras mulheres. “O fato de eu dar aula com mulheres, de me apresentar com mulheres também, acho que isso tem bastante poder, então percebo essa admiração da galera”, conta ao lembrar dos abraços emocionados de meninas quando a conheceram pessoalmente em congressos após a pandemia. 

Profissionais LGBTQIAPN+ trabalham para quebrar barreiras e educar as pessoas de que a dança não tem gênero e nem sexualidade.

“Se eu sou um homem hetero, gay, um homem ou mulher trans, não binário, gênero fluido e quero dançar com o mesmo sexo ou com o sexo oposto, não importa. Não quero dançar porque eu quero pegar alguém, quero dançar porque eu quero me expressar através dessa forma artística”, ressalta Felipe Lira. 

Pessoas com Deficiência

Carolina Hiss no Rio Zouk Congress, 2023 | Crédito: Equipe do Rio Zouk Congress

Para alguns, pode ser difícil imaginar como uma Pessoa com Deficiência (PcD) pode dançar. A artista Carol Hiss, 25 (RJ), acha engraçado a surpresa dos dançarinos, sobretudo aqueles que não sabem como dançar com ela.

O atleta e bailarino profissional Isaias José dos Santos, 37 (PE), também conhecido como Rebô, teve sua medula comprometida aos 15 anos, devido a uma bactéria na coluna e, desde então, anda de cadeira de rodas. Depois de entrar na dança como hobby, se apaixonou e vai em todos os bailes que consegue, contudo depara-se com a discriminação nas pistas. Ele conta que as mulheres acham que ele não vai conseguir conduzi-las, mas depois que o veem dançando, que faz vários passos e ainda roda o salão das gafieiras, o preconceito se torna curiosidade

Escolas de dança não costumam ser acessíveis para garantir que PcDs ocupem esses espaços. A maioria dos profissionais de danças sociais nunca teve contato ou experiência em dar aula para uma pessoa com deficiência. Os salões dos bailes, muitas vezes, não são adaptados para receber alguém com cadeira de rodas, por exemplo. É preciso ajuda para entrar, pela falta de acessibilidade. Para “compensar” essa falha, a entrada costuma ser gratuita às PcDs. Apesar da Lei Nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelecer “normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”, espaços de dança e eventos não garantem a inclusão de PcDs, nem como público, tampouco como dançarinos. 

Para além disso, é preciso compreender que a Pessoa Com Deficiência nem sempre estará bem – como acontece com qualquer um. Hudson, um artista em hemodiálise, conta que sua doença afeta seu desempenho como dançarino e, às vezes, não tem condições de estar dançando. Já aconteceu dele ter que abrir mão de trabalhos por conta do seu tratamento ou por não se sentir bem, “sou um artista e continuo tentando ser artista no meio desse turbilhão de preconceito e de estereótipos”. 

A falta de empatia e o capacitismo segue presente no meio dançante. Carol compartilha que os dançarinos a aceitam para dançar quando está em pé, diferente de quando está na cadeira de rodas. Ela conta que já viu pessoas saindo de uma aula por conta dela e que ouviu ser “um absurdo ela estar fazendo aula, que não deveria estar ali”. Carol carrega o sonho de fazer uma aula em que todos teriam a experiência de dançar em sua cadeira para sentir o que ela sente dançando. Se trata de uma dança adaptada, então não precisa fazer passo nenhum, mas existem técnicas para aproveitar melhor a dança. Durante um congresso, uma pessoa achou incrível dançar com ela por visualizar que era só sentir. Depois, quando pediu que ficasse na cadeira enquanto ela o conduzia, ele realmente entendeu e gostou. “Já coloquei várias pessoas na cadeira, é muito gostoso ver as pessoas se permitindo e é muito engraçado ver as pessoas não se permitindo também”

Para Rebô, ser uma pessoa com deficiência na dança é servir de inspiração para outras pessoas ao ouvir que querem dançar como ele.

“Vou mostrar que tem pessoas que dançam, dar visibilidade a outras pessoas, abrir caminho para outras e mostrar que deficiente não é só atleta, pode fazer tudo que quiser”. 

Rebô Izaias e parceira em apresentação de dança, 2023 | Crédito: Arquivo pessoal

Corpos não padrão

A associação do peso à capacidade de uma mulher dançar com desenvoltura é tão forte que mulheres gordas nem entram para a dança, por acreditar que não poderiam. Outras insistem em dançar, mas reconhecem ouvir que para ser profissional “precisa” emagrecer ou devem desistir da carreira. 

Durante o programa Se Ela Dança Eu Danço, em 2011, um dos jurados disse à Rubia Frutuoso que a dança possui uma estética e “que havia uma gordura sobrando ali, que não tava muito legal”. A profissional que tinha dado à luz há pouco tempo, acredita que esse foi o jeito “desastrado e sensacionalista” de abordar sua maternidade. Ela conta que muitas pessoas se sensibilizaram e levou um certo tempo até perceber o quão errada aquela fala tinha sido, “nem me dei conta que era uma atrocidade, [que para] uma mulher no puerpério não fazia sentido uma fala daquela né, mas também me sinto feliz por ter sido forte o suficiente para não deixar tudo aquilo resvalar em mim”. 

As pessoas com “corpo não padrão”, muitas vezes, não são chamadas para dançar pelo julgamento, “a pessoa faz uma análise corporal, de cima a baixo e pensa ‘vou ter muito trabalho porque a pessoa é pesada, não deve dançar e aí vou me machucar, porque ela é pesada’”, conclui a DJ Ju Sanper. 

Além dos estereótipos de ‘ser uma pessoa pesada’, há a própria insegurança do/a/e dançarino/a/e por não saber se a outra pessoa irá sustentá-la durante uma movimentação. A professora de dança de salão Mariana, lembra quando estava treinando com seu parceiro Ítalo Barbalho, 24 (BA), e ele pediu para ela “parar de ajudar” em movimentações de contrapeso. Ou seja, que ela deveria entregar seu corpo de forma que ambos estivessem com o peso dividido para fazer a movimentação. Contudo, para ela era difícil abrir mão do controle pelo fato de ter sido ensinada que a Dama tem que ser leve. “É uma coisa que foi alimentada na minha cabeça que tento desmistificar. Não vai ser o meu peso, não vai ser a minha massa, o meu tamanho que vai ditar se eu consigo fazer aquele movimento ou não.”

Ao se deparar com uma dançarina de alta performance com um corpo gordo, as pessoas ficam surpresas com a qualidade da dança, fazendo comparações do tipo: “dança melhor que alguém magro”. A artista Bruna Peçanha (RJ), lembra que se sentia mal por achar que não poderia fazer um show de alto nível por não conseguir fazer passos aéreos, de giros e de contrapeso. “Trabalhei para conseguir fazer e hoje em dia acho que os giros são uma das minhas melhores qualidades dançando, então é possível sim!” 

Uma professora e uma bolsista de corpos gordos eram as referências de Ju Sanper para não parar de dançar e, agora, ela fica muito feliz em ser inspiração.

“Já aconteceu de vir mulheres falar que sou referência para elas e que não desistiram de dançar porque me viam dançando, ‘se ela pode dançar, eu também posso.”