Expressão artística e identidade se entrelaçam na luta por respeito
Escrito por: Mileni Francisco | novembro de 2023
Dançar à dois é uma arte que engloba pessoas LGBTQIAPN+, uma sigla que reúne uma série de identidades de gênero e orientações sexuais: lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queers, intersexuais, assexuais/arromânticas/agênero, pan/polissexuais, não-binárias e muitas outras. No entanto, na prática nem todas as pessoas compreendem ou respeitam o que o outro é. A professora de dança de salão Luana Weinmann, 30 (RS), conta que já ouviu comentários bifóbicos, de que ela iria se aproveitar das pessoas dançando e, por isso, sente que precisa tomar cuidado, até mais do que precisaria, para que alguém não se sinta mal dançando com ela pelo fato de ser bissexual, “é muito doido isso, mas às vezes sinto que eu mesma me seguro de me conectar com pessoas com medo de ser mal interpretada”.
Diego Basílio conta que teve “sorte” de não ter recebido tanto preconceito, mas que foi difícil se assumir no meio da dança, porque achou que não seria tão respeitado. Contudo, já aconteceu de pessoas não fazer aula com ele ou de não dançar com seu parceiro, Kevin. No Sertanejo Summer Festival, de 2023, durante as trocas de parceiros em aula, um aluno se recusou a dançar com outro, que estava como Follow. Após o ocorrido, o congresso foi interrompido para falar sobre a diversidade na dança e para encerrar o evento, uma demonstração de vários profissionais com a professora Vitória Ramos, 29 (SP), uma mulher trans, emocionou o público.
Quando Felipe Lira iniciou na dança, não entendia porque não podia dançar como Follow em bailes ou com seu irmão gêmeo. Hudson comenta que no Rio de Janeiro havia meninos dançando como Conduzido, mas que não levavam a sério e amarravam a blusa para associar ao feminino. Nas primeiras danças sendo conduzido, ele tinha medo que achassem que estava dando em cima, então dançava afastado das pessoas.
À medida que professores começaram a dançar nas festas como Conduzidos, deu a oportunidade para que alunos, que também tinham essa vontade, ocupassem esse espaço. O enfermeiro Rodrigo Frazão, 34 (RJ), revela se sentir confortável nos bailes graças ao trabalho de outros profissionais, “a gente tem que agradecer a eles que botaram a cara a tapa, que disseram que sim, nós podemos dançar de Follow, que não é porque eu tô querendo tomar um papel de uma mulher. A gente não quer ser uma mulher não, só quero dançar, entendeu? Pra gente estar sorrindo hoje, eles já choraram muito”.
Em meio a uma aula realizada no Centro Educacional Unificado (CEU) Feitiço da Vila, em São Paulo, Vitória foi ajudar um aluno que estava com dificuldade e ouviu “com pessoas assim, viado, eu não quero fazer não”. Após essa fala, ela pediu respeito, como pessoa e também como profissional, pediu que ele se retirasse, mas que o perdoava e daria mais uma chance à ele. Na semana seguinte, o aluno contou que foi para a aula ver como era a aceitação das pessoas na dança, porque, na verdade, estava com medo de se assumir gay para a família, mas queria dançar como ela. A professora conta que mais tarde o aluno “se assumiu”, participou de vários campeonatos de dança e fez declarações e agradecimentos a ela por sua ajuda.
Além dos julgamentos, Vitória conta que alguns homens a veem como alvo sexual durante a dança, assim como fazem com outras mulheres. Outro enfrentamento é lidar com pessoas querendo comparar uma mulher trans com uma mulher cis, julgando-a apenas pela diferença na força durante as competições. “As mulheres precisam entender que eu sou uma trans, mas não sou uma mulher [cis]. Então para mim é muito difícil tentar imprimir um corpo muito mais feminino, uma visão muito mais feminina, trejeitos femininos”. Ela complementa que como uma criança que nasceu com um órgão genital masculino, mas se percebe como menina, as pessoas precisam entender que também é muito difícil para ela, “não é só o fato de ter força, é fato que não sou uma mulher cis”.


Dançarinos no Jack and Jill 2023 da Escola 3D, em São Paulo | Crédito: Baila Mundo
Ser um profissional LGBTQIAPN+ na dança significa abrir caminhos para que outras pessoas se sintam à vontade para expressar livremente. “Ser uma mulher trans na dança não é fácil, nunca foi. Mas estou aqui para mostrar que as pessoas podem fazer isso também”, contribui Vitória Ramos. A escola de dança Zathus, em Porto Alegre (RS), possui a maioria da equipe composta por professoras e estimula os alunos a fazerem ambos os papéis na dança. Martha Royer, 31 (RS), sócia da Zathus, compartilha que não percebe muito preconceito como bissexual na dança e se vê respeitada pelas pessoas, em especial por outras mulheres. “O fato de eu dar aula com mulheres, de me apresentar com mulheres também, acho que isso tem bastante poder, então percebo essa admiração da galera”, conta ao lembrar dos abraços emocionados de meninas quando a conheceram pessoalmente em congressos após a pandemia.
Profissionais LGBTQIAPN+ trabalham para quebrar barreiras e educar as pessoas de que a dança não tem gênero e nem sexualidade.
“Se eu sou um homem hetero, gay, um homem ou mulher trans, não binário, gênero fluido e quero dançar com o mesmo sexo ou com o sexo oposto, não importa. Não quero dançar porque eu quero pegar alguém, quero dançar porque eu quero me expressar através dessa forma artística”, ressalta Felipe Lira.
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